Lendo Wisława Szymborska

Giuliana Seerig
2 min readSep 7, 2022

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Encontramos nos seus versos a guerra, o vinho, as cebolas e o sonho da velha tartaruga. Parece fraternal seu sorriso, são brincalhonas as letras do seu nome quase impronunciável — quando parece que aprendemos, tornamos a dizer e tropeçamos em um s ou um r, como uma palavra cheia de ossos. Às vezes, encontro também na sintaxe uma dureza, como se houvessem escapado, por um buraco um pouco maior do coador da tradução, sons de um polonês que ignoro totalmente. Surgem, nesses versos, imagens de um país desconhecido e de uma língua que me chega tão estrangeira, com alusões e metáforas que me caem tão longínquas — espio os versos à esquerda, no original, como se pudesse, com observação suficiente, decifrá-los. Que sei eu das neves do próximo ano, do rubro das maçãs nas árvores, dos bosques escuros? E, no entanto, quando fala de domingos, de taças e de enamoramentos, estamos irmanadas, somos conterrâneas.

Tenho uma alma óbvia

como a ameixa tem caroço

Por seu estilo ligeiro, sua dicção coloquial e aparente facilidade, acabaria vítima de versões apócrifas, caso seus versos fossem difundidos o suficiente. Alguém muito bem intencionado e emocionado usaria um verso seu para emendar algum conteúdo lacrimoso ou motivacional.

O que mais me agrada, no entanto, é quando me encanto com suas imagens, — chapéus que o vento faz voar das cabeças, moças com cestos nas mãos cruzando o campo — sorrio distraída, e, de repente, de forma delicada, ela me alfineta e me relembra da brevidade da vida, da persistência das lembranças.

Um minuto de silêncio pelos mortos

às vezes dura até tarde da noite.

Depois do beliscão, me dá um gesto de carinho, me chama de alminha relutante, alminha cheia de dor: é que você não sabe, me diz ela, mas sempre alguém varre as ruas depois do bombardeio.

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